Everesting: a jornada épica

Everesting: a jornada épica

No mundo do ciclismo há desafios que vão além da imaginação, testando os limites físicos e mentais de cada ciclista. Na semana passada, enfrentei um desses desafios monumentais: o Everesting. Percorri 237 quilômetros, subindo e descendo consecutivamente a Serra da Arada, acumulando um impressionante ganho de elevação de 8900 metros. Durante 16 horas e 25 minutos, deparei-me com uma jornada cheia de dificuldades, superação e, acima de tudo, resiliência. Neste artigo vou levar-te comigo nesta jornada épica, partilhando os momentos de dificuldade, alegria e triunfo que moldaram este desafio único.

Desde que me iniciei no ciclismo, sempre fui fascinado pelas montanhas. As impressionantes elevações, as paisagens imponentes e, acima de tudo, o desafio que representam para um ciclista ávido por superar os seus próprios limites. O Everesting é a derradeira prova nesse cenário, e por isso este ano decidi enfrentá-lo, com todas as minhas forças. Preparei-me fisicamente durante meses, com muitas horas de treino indoor e outdoor, muitos treinos longos em montanha e a maior parte a solo. No entanto, sabia que nenhuma preparação poderia sequer aproximar-se daquilo que teria para enfrentar no momento em que estivesse de frente para aquela montanha.

A véspera do desafio terá sido talvez o pior. A aproximação do grande dia e as dúvidas sobre o planeamento, a preparação e as minhas capacidades, ocuparam-me os pensamentos durante todo o dia e uma grande parte da noite, que por si só já seria curta.

Mas o dia do desafio finalmente chegou. Para aproveitar o maior número de horas de luz solar decidi começar bem cedo, e por isso o despertador tocou às 04h00 da manhã. Depois de um pequeno-almoço reforçado e de preparados os sacos com a comida, pouco depois das 04h30 saia de casa rumo ao sopé da Serra da Arada, onde ficaria o carro com toda a comida e material de apoio que pudesse necessitar ao longo de todo o dia.

O dia estava nublado e havia previsão de alguma chuva para o período da tarde. Assim que carreguei no botão do GPS para iniciar o desafio a chuva apareceu, em jeito de aviso para as dificuldades que teria pela frente. Ainda assim decidi avançar.

As primeiras pedaladas, ainda noite escura, foram feitas com uma mistura de excitação e ansiedade. A chuva parou, a luz do dia surgiu e a primeira subida fez-se num piscar de olhos, ziguezagueando pela Serra, ora entrando, ora saindo pelo manto de nevoeiro.  Os primeiros quilómetros foram relativamente fáceis, mas sabia que os verdadeiros desafios ainda estavam por vir.

Decidi dividir o desafio em várias etapas, cada uma delas com 3 subidas, após as quais parava no carro, no sopé da montanha, para um pequeno descanso, comer e beber. Com isto podia focar-me em pequenos objetivos e evitar pensar em tudo o que tinha pela frente. E funcionou na perfeição.

A primeira metade do desafio ficou concluída ao final da manhã. O ritmo de cada subida, os tempos, as paragens, os horários previstos, tudo corria conforme tinha planeado.

Mas à medida que a elevação aumentava, a fadiga começava a querer instalar-se nas pernas. Cada subida exigia mais esforço e determinação do que a anterior e sabia que o pior ainda estava por vir.

A cada pedalada as rampas dos últimos 2 quilómetros da subida pareciam mais íngremes ainda. A respiração ia ficando cada vez mais ofegante e cada metro conquistado era uma vitória sobre a gravidade. A dor começava a ser uma constante, mas eu recusava-me a deixar que ela me controlasse. Afinal, o Everesting não era apenas um desafio físico, mas uma prova de força mental e resiliência.

A solidão foi uma companheira constante. Sabia que alguns amigos e familiares torciam por mim à distância, enquanto eu enfrentava o desafio na Serra, sozinho. A cada curva encontrava apenas a minha sombra projetada no alcatrão, lembrando-me de que este desafio seria, na maior parte do tempo, uma jornada pessoal e solitária. No entanto, quando iniciava a 12ª subida, vi ao longe um vulto que me pareceu familiar. Era o Rúben, amigo e companheiro de grandes jornadas em cima da bicicleta, que me vinha acompanhar ao longo de mais uma das subidas. Às 16h00 da tarde trocava as primeiras palavras do dia com alguém.

Foi também no final dessa subida que a minha família apareceu, para me apoiar na parte final do desafio. E que importantes foram! Mesmo que não pedalassem por mim, só o fato de saber que ali estavam, dava-me uma força mental extra, quando as pernas já davam sinais de quererem fraquejar.

As três subidas seguintes foram, sem sombra de dúvida, as mais difíceis. O fim estava cada vez mais próximo, mas ainda a algumas subidas de distância. A fadiga era muita e a vontade de comer desapareceu. Talvez já farto dos géis, das barras e de todos os alimentos, maioritariamente doces, que tinha comido ao longo do dia, simplesmente deixei de conseguir comer. Com isso o receio de não conseguir terminar o desafio, já tão perto do fim, começou a pairar sobre a minha cabeça. Mas desistir nunca foi uma opção e iria continuar até onde pudesse.

O sol começou a pôr-se e a escuridão lentamente a instalar-se. Cada pedalada era uma luta, cada subida parecia interminável. Quando o corpo começava a querer falhar, a mente dava-me a força necessária para continuar.  Cada metro de subida conquistado era um metro mais próximo do objetivo, e assim alimentava a minha determinação. Eu sabia que estava prestes a alcançar o objetivo final e não podia parar. E assim continuei até à última subida completa, onde fiquei apenas a 200 metros de desnível de atingir os 8848 metros do cume do Evereste. Desci, mais uma vez, e exausto mas feliz e determinado, iniciei a última ascensão.

E então finalmente aconteceu. Na décima oitava subida, com as pernas trémulas e o coração acelerado, alcancei o objetivo final. As montanhas desafiaram-me, mas eu conquistei-as! A sensação de triunfo era indescritível. 16 horas e 25 minutos depois, eu tinha conseguido. Lágrimas de felicidade misturaram-se com o suor, enquanto disfrutava da vitória que tanto merecia.

O desafio Everesting foi muito mais do que apenas uma conquista física. Foi uma jornada emocional, uma prova de resiliência e determinação. Nos momentos mais difíceis, descobri que a verdadeira força está na nossa capacidade de continuar, mesmo quando tudo parece perdido. O Everesting mostrou-me que, se acreditarmos em nós mesmos e enfrentarmos cada desafio com coragem, não há montanha alta demais para subir.

Ao partilhar esta conquista espero inspirar outros ciclistas a abraçarem os seus próprios desafios e a encontrarem a resiliência necessária para superá-los. Lembrem-se sempre de que as maiores recompensas estão reservadas para aqueles que ousam sonhar alto e não têm medo de enfrentar a dureza do caminho. Podia falhar, é verdade, mas pelo menos teria sempre a consolação de saber que tinha tentado!

Então aventurem-se! Conquistem montanhas, superem limites e descubram o poder da resiliência que existe dentro de vocês. O desafio Everesting pode ser árduo, mas a recompensa é imensurável!

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